Darwin e a Ingenuidade

Darwin e a Ingenuidade

Ontem houve mais uma conferência do ciclo dedicado a Darwin, desta vez na FCT, sob o tema “Ciência e crença: uma ligação perigosa?”. Estive presente, mas não muito. Um imprevisto não me deixou ficar por lá até ao fim.
É manifesta a ingenuidade dos que, em nome do cristianismo, se impuseram, tout court, contra Darwin, como se a sua doutrina destruísse a revelação da Bíblia. Em Ano de s. Paulo vale a pena dizer “a letra mata, enquanto o Espírito dá a vida.” (“Cor 3.6). Sendo que por letra devemos entender aquele tipo de leitura da Bíblia para o qual basta apenas saber juntar as letras, sem mais ‘inteligência’ da mesma!
É óbvio, normal e razoável que os homens de cada tempo leiam a Bíblia dentro de um ambiente cultural que os circunscreve: já houve gente que lesse a Bíblia considerando que a escravatura era aceitável, que o sol girava em torno da terra e que a criação tinha acontecido em 7 dias, o que perfaz 168h, portanto…
Ontem leu-se um excerto do diário de Darwin onde ele mesmo referia o declinar da sua própria fé cristã, a qual se foi desvanecendo com o confirmar-se da sua própria teoria evolucionista. O que me permite, também, referir a ingenuidade do próprio Darwin, que assim se divorciava, não da Bíblia, mas de uma leitura ‘datada’ da Bíblia, obviamente não a mais inteligente da mesma…
Poderá, então, alguém perguntar se não desponta neste meu raciocínio, essa prática, apontada aos católicos, de conseguirem sempre ‘adaptarem-se’, no caso versante, poder-se-ia mesmo dizer ‘evoluírem’, ficando sempre de bem com o poder reinante? Bem, confesso que não percebo um género de discurso que pede abertura à Igreja e que depois a proíbe de ser beneficiada com o saber dos tempos! Alguns exemplos: nos últimos 200 anos a arqueologia, a história, as novas possibilidades técnicas de datação dos documentos, as diferentes disciplinas da literatura, o estudo das ‘linguas mortas’ e semíticas, as novas perspectivas filosóficas etc, etc deram um contributo inimaginável para se ‘ler’ a Bíblia com mais inteligência. O nosso obrigado à colaboração da cultura, em geral, com a fé cristã! Dentro disso, como não agradecer a Darwin que também contribuiu para se poder ler o Génesis com outras matizes?! Creio, tabém, que foi grande o seu contributo para ‘proibir’uma leitura ‘fundamentalista’ da Escritura. Daí que os seus conflitos sejam sobretudo com o mundo ‘cristão’ fundamentalista.
E os católicos? Há-os melhor (in)formados e os mais indigentes na sua própria formação! Todavia, a sua fé não foi de modo algum posta em causa porque o evolucionismo não dá uma resposta – que não pode nem sequer pretender dar, enquanto saber cientifico sobre o porquê da criação. E lembro um pequeno episódio, que ouvi contar sobre uma catequista que falava de Deus como criador do universo ao que uma criança lhe replicou ‘o meu pai diz que no princípio houve uma nebulosa …’ .Por sua vez a catequista rapidamente retorquiu-lhe ‘pergunta, então, ao teu pai, quem é que criou a nebulosa…’
Com efeito, há uma terceira ingenuidade que é preciso apontar: essa dos homens de ‘ciência’ que julgam estar dispensada a questão de Deus por causa da tese evolucionista. De facto, nesse ponto, a questão mantém-se intacta. Curiosamente, o tabu hoje é perguntar sobre o sentido de toda a criação (que não é uma questão cientifica!), como se o olhar para a organização razoável do mundo (apreensível pelo homem nos seus grandes dinamismos e nas suas concretizações factuais) nos dispensasse de tomar posição sobre o ‘sentido’ de tudo isto. E aí, por maior que seja o currículo académico de quem quer que seja, a resposta não é antes de mais científica. Na verdade, cada um tem que se afirmar em nome próprio numa resposta que tem que ver com a atitude face à vida: de auto-suficiência, de suspensão ‘distraída’ da resposta ou de acolhimento de um entendimento do mundo que faz confiança à Palavra de um Outro.